Aquele 1º de maio

O primeiro final de semana de maio tinha tudo para ser mais um daqueles finais de semana que eu mais gostava;  pois poderia ficar em casa e curtir , como eu mesmo chamava, "meu fim de semana de GP".

Nos dias que antecediam a corrida, eu mergulhava nos cadernos esportivos dos jornais para ficar por dentro de tudo que acontecia na semana e também para garantir os recortes do meu ídolo Ayrton Senna.
Aquela temporada não começou bem para ele. Senna tinha dificuldades para "domar" a Williams e os mecânicos não conseguiam ajustar o carro como ele queria. Com isso, os resultados nas primeiras corridas foram frustrantes.
Muitos amigos me diziam: "Ah, esse ano Senna não consegue nada. Tá ruim demais o carro e nem ele mesmo acerta". Mas, para mim, sabia que não iria demorar para que ele acertasse seu Williams e, assim, as vitórias viriam.
Como naquela época não tínhamos TV por assinatura, não podia acompanhar os treinos livres da sexta-feira, por isso tinha que esperar o noticiário da noite pra poder saber como foi. 
Na noite de sexta-feira, como de costume, cheguei em casa, tomei meu banho e sentei em frente à TV para ver o jornal enquanto jantava. Em uma das chamadas, que antecediam o jornal, fiquei sabendo que Rubens Barrichello tinha sofrido um acidente feio e não iria participar do GP. Vendo as imagens, me lembro que fiquei assustado com o vôo de seu Jordan em direção a proteção de pneus e depois aterrizando de cabeça pra baixo. Felizmente nada de grave aconteceu, exceto a fratura no braço e o susto. Logo ele voltaria para as pistas.
Nessa época eu trabalhava na portaria de um edifício comercial e aos sábados, apenas a central Beep funcionava e os demais escritórios não tinham expediente. Eu tinha uma pequena TV de 5 polegadas em preto e branco e como não queria perder o treino de classificação no sábado, levei comigo para o trabalho. 
Geralmente, o inicio dos treinos eram bem tranquilos e as equipes menores iam pra pista primeiro. Com o treino em curso, o narrador e os repórteres atualizavam as notícias da sexta-feira e diziam que Barrichello estava bem e que não iria correr no fim de semana. 
Fiquei acompanhando o treino e tomando meu café quando vejo Roland Ratzenberger em sua volta rápida, perder o controle do Sintek/Ford  e bater a mais de 300 Km/h. Bandeira vermelha e treino interrompido. Imaginei que o piloto sairia "meio grogue" do carro, mas nada aconteceu. Ficou alí imóvel até o momento em que a equipe médica chegou ao local.
Confesso que me senti mal vendo aquelas imagens do atendimento, princialmente quando as câmeras mostraram o Dr Sid Watikins fazendo massagem cardíaca na tentativa de reanimar o piloto.  Já tinha visto dezenas de acidentes bem fortes na F1, como o de Berger em 89 e o de Martin Donnelly em 90, mas um acidente com morte foi a primeira vez. E o fim de semana estava apenas começando.
Durante o dia fiquei acompanhando as notícias e após o almoço foi divulgado que o piloto havia morrido no hospital. 
No domingo logo cedo, tinha que ir ao batizado da minha afilhada e pelo horário, sabia que perderia a largada do GP. Confesso que fui bastante contrariado, mas como a igreja era perto de casa, eu poderia sair rápido e chegar no inicio da prova. 
A cerimônia parecia nunca ter fim, olhava para o relógio de minuto em minuto e torcendo pro padre acabar logo. Terminada a cerimônia, me despedi de todos e saí correndo pra casa.
Cheguei, liguei a tv e ví que a corrida estava interrompida. No replay, ví o acidente na largada e pensei: "Puta que pariu, a bruxa tá solta esse fim de semana."
Pouco tempo depois, a corrida reiniciou. Senna seguia na ponta com Schumacher logo atrás. Me lembro que Senna tinha dificuldade de abrir com relação a Schumacher, o carro da Benetton se mostrava bem melhor que o Williams. Duas ou três voltas depois, na entrada da curva Tamburello, o carro de Senna passa direto e bate forte no muro. Se arrasta por alguns metros e para. Fiquei branco e sem ação. Apenas pensei: Levanta cara, levanta. Um leve movimento do capacete e mais nada aconteceu. 
Me levantei, fui até a cozinha onde estava minha mãe e disse: Acho que o Senna morreu.
Todos vieram pra sala e ficaram acompanhando comigo. A equipe médica chegou, retirou Senna do carro e começou o atendimento na pista. 
A tv ficava mostrando o replay do acidente e também o atendimento. Durante longos minutos fiquei sem saber o que dizer. Meu ídolo na F1 estava alí, na pista sem se mexer após um acidente feio. O helicóptero médico pousou na pista e em seguida o levou para o hospital. 
Não queria continuar a ver a corrida, pra mim, ela deveria parar alí. Mas ao que tudo indicava, ela seria reiniciada. Fiquei em frente a tv, pois queria mais notícias de Senna. Absurdamente a corrida foi reiniciada e Schumacher venceu a prova. 
Às duas da tarde, o plantão da TV nos deu a notícia da morte de Senna. Meu ídolo se foi.

Na minha opinião, a morte de Senna foi culpa da FIA. Por conta da politicagem e do prejuízo que seria a não realização do GP de San Marino por causa da morte de Ratzemberguer (sim, ele morreu NA PISTA e não no hospital como a FIA disse na época). Da mesma forma que a corrida no domingo não poderia ter continuado porque Senna TAMBÉM MORREU NA PISTA. Sid Watkins, que era o médico chefe na época, disse que Senna se foi alí, na pista.

Infelizmente, hoje não adianta mais ficar lamentando. Dois grandes pilotos se foram de forma trágica, e para mim, um ídolo que tive o privilégio de acompanhar grande parte de sua carreira na F1.
Isso tudo aconteceu há 24 anos, mas parece que foi ontem. 
Fico imaginando como seria se nada daquilo tivesse acontecido. 
Hoje, nos restam apenas as boas lembranças daquele brasileiro de capacete amarelo que nos enchia de alegria os domingos.







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A rainha de vermelho




Era uma vez uma Rainha.
Uma Rainha forte, guerreira e também durona. Durona não no sentido da maldade, apenas tinha o pulso firme, como uma verdadeira Rainha deve ter.
Mas ela também tinha o seu lado suave e foi com ele, com sua doçura e carinho de mãe, que acolheu todos em seus braços.
Como se cada um, fosse um filho seu.
Por muito tempo, ela cuidou de cada um de seus filhos, sendo generosa quando podia e rígida quando necessário.
Todos a amavam, todos se orgulhavam (bem, nem todos)

O tempo foi passando, e os olhos de cobiça e inveja se voltavam contra ela
Nos corredores, os sussurros eram frequentes entre alguns. Os Bispos escondiam algo.
Como em um tabuleiro invertido, os lobos vestidos de Bispos se voltaram contra a Rainha
Nas madrugadas escuras, a tocaia foi armada e cada um foi tomando sua posição de ataque.

Me lembro agora de Edmond Dantès. Aquele jovem de coração puro e inocente que viu sua vida mudar por causa de inveja de um amigo. Acreditou e confiou na pessoa errada e foi apunhalado pelas costas.
Mas diferente de Edmond Dantès, a Rainha não foi presa em uma ilha perdida no meio do nada.
Ela foi humilhada, caluniada,  expulsa de casa e viu os Bispos trocarem suas vestes e mostrarem quem realmente eram.
De cabeça erguida ela saiu. E nos braços de seus filhos e amigos, foi embora.
Enquanto os lobos comemoravam o sucesso da tocaia.

O tempo passou, o céu escureceu e o medo tomou conta do reino.
Enquanto os lobos se divertiam com suas jogatinas e manipulando seus fantoches, a Rainha, mesmo que ainda abatida, saiu de sua reclusão e foi para o alto da montanha.
Ela precisava recuperar suas forças. 
Seus filhos e amigos precisavam dela.
No alto da montanha, sob os raios de sol da manhã, ela pensou: É hora de voltar.

Os inimigos são muitos, mas como no jogo de xadrez, ela vai derrubar um por um.
A primeira jogada foi feita e ela fixa seu olhar no almofadinha do helicóptero azul.
Não faz nada as escondidas e os lobos sabem disso
Tentarão um contragolpe, mas será inútil
Novamente fortalecida, a rainha decidiu recuperar seu reino
Ela está de volta
para seus filhos
seus amigos.
E ela vem com a faca nos dentes.








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