Leite de Castro




Morava em São João Del Rei, cidade histórica de Minas Gerais e terra natal do ex presidente Tancredo Neves. Uma cidade de pouco mais de 100.000 habitantes cravada entre as belíssimas serras do Campo das Vertentes e que traz boas lembranças da minha infância.
Morava em uma das principais ruas que, de uma lado, dava acesso ao centro da cidade, e do outro, a uma longa avenida onde ficavam as fábricas. E é sobre esse lado que quero falar.
A Avenida Leite de Castro é uma dessas avenidas bem largas, arborizadas e que no meio dela, passava a linha férrea. A linha férrea cortava grande parte da cidade até chegar no pontilhão dos suicidas, onde de lá, iniciava seu caminho por dentro da serra. O pontilhão dos suicidas ficou famoso como o próprio nome diz, muitos se jogavam dele para a morte, e uma novela da Globo foi filmada na cidade e um dos personagens também achou apropriado pular de lá. 
Mas voltando a Leite de Castro, na época, era uma avenida movimentada, mas não tanto como hoje em dia. As pessoas ainda não tinha essa pressa exagerada que existe hoje em dia e a gente podia andar por ela tranquilamente.
A Leite de Castro era o caminho da escola e também de muitas aventuras. Afinal, a Maria Fumaça passava por alí diariamente, para a nossa imensa alegria.  E sempre que íamos pra escola, andávamos pelos trilhos, numa disputa para ver quem conseguia ficar mais tempo sobre os trilhos. A única pessoa que não disputava, era aquela que por sorteio, tinha que ficar observando se a Maria Fumaça vinha ou não. Ninguém queria ser atropelado e por isso cada dia um de nós ficava de observador.
Durante algum tempo a maria Fumaça passava por ali, mas não sei por que motivo, o trajeto dela foi alterado, ficando apenas os trilhos. Mas mesmo assim, a gente se divertia muito no caminho da escola.
Em um dos lados da Leite de Castro, existia uma fábrica de tecidos. Haviam outras fábricas, mas essa, era diferente. Ela tinha umas "janelinhas" imagino que seria uma espécie de exaustor, e elas ficavam se mexendo fazendo um barulho que posso ouvir até hoje. Tap tap tap tap tap tap tap. E sempre que passava por ela, sentia um cheiro gostoso. Não era cheiro de tecido novo, era algo como uma mistura de algodão com cheiro de outros tecidos misturados. Não sei dizer ao certo o que era, apenas sei que gostava muito.
Durante um bom tempo, meu caminho da escola foi assim, em meio aos trilhos da linha férrea e aquele som, Tap tap tap tap tap tap tap seguido daquele cheiro. Minha memória afetiva, como diz minha mulher, é recheada de cheiros, gostos e sons. Eles me remetem a épocas que viví e na maior parte delas, sinto muitas saudades.
Muitos por aí costumam dizer que o tempo apaga as coisas. As lembranças se vão. Não concordo. As lembranças, as boas lembranças ficam pra sempre. de um jeito ou de outro, elas ficam pra sempre dentro de gente e mesmo que parecem esquecidas, vez ou outra um cheiro, um som ou um gosto nos lembram desses momentos.
E foi assim, em um desses momentos que me lembrei da Leite de castro e sua fábrica de tecidos. Na empresa em que trabalho, recebemos alguns fardos de estopa. E cada vez que pego um pacote delas, me lembro com muita saudade dos meus tempos de menino. Quando ia para a escola e passava em frente a fábrica, com seu cheiro e seu inconfundível som das janelinhas.
Às vezes me pego com um pacote de estopas nas mãos sentindo seu cheiro e recordando. 
Tap tap tap tap tap tap tap







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