Funeral




O ano de 2000 foi muito complicado pra mim. Desemprego, dificuldades em casa e ainda minha mulher na época andava insatisfeita com muitas coisas e só reclamava.
Embora parecesse calmo, minha cabeça ficava a mil, e entre bicos aqui e alí, conseguia algum dinheiro para ao menos comprar algo pra comermos e quitar contas básicas de casa.
Não era fácil, não mesmo. 
Quando chegava em casa quase de noite, tomava um banho e comia o que tinha e muitas vezes ficava nó fundo de casa brincando com um gatinho amarelo e branco que encontrei na rua. Assim, conseguia aliviar um pouco a cabeça pra poder começar tudo novamente no outro dia.
Foram seis ou sete meses muito complicados. Mas por sorte, consegui um trabalho em uma atacadista de tecidos. 
Trabalho simples, salário baixo e alguns benefícios depois de um tempo de casa.
Nada mal, pra quem não tinha nada, apenas dívidas acumuladas e uma esposa insatisfeita. Mas isso era uma pequena luz no fim do túnel e eu via que ao menos, o próximo ano seria melhor e realmente foi, tudo mudou.
Mas não é sobre isso que quero falar. É sobre um telefonema e uma viagem que não esperava.
Pouco antes da metade do ano, mamãe me ligou um dia a tarde. Queria saber como estávamos e como sempre, dizia que estava tudo bem, tudo em ordem. 
Nunca disse a ela sobre as dificuldades desse ano para não deixá-la preocupada. Eram sempre as mesmas respostas: Tudo bem, Tudo tranquilo.
- Seu pai morreu hoje de manhã. Ela disse
- O que aconteceu com ele? Perguntei
- Problemas de saúde. Ela disse
Não tinha o que dizer, e apenas respondi que "fazer o quê não é? É a vida.
- Seus irmãos irão amanhã de manhã e você deveria ir também. Ela disse
- Não sei. Sinceramente não tenho o que fazer lá. Disse
Conversamos mais um tempo sobre isso e outras coisas e nos despedimos. De um lado, ela estava triste com a notícia e do outro, eu não sentia nada. Pode soar como ignorância, mas não. Apenas não sentia nada naquele momento.

Pensei muito durante a noite sobre o ocorrido. Ainda não estava decidido se iria ou não. Francamente, não via sentido algum ir até lá e rever pessoas que não via ha anos e não mantinha contado algum.
No outro dia bem cedo meus irmãos chegaram em casa. Tinha acabado de acordar e estava passando meu café.
Eles estavam em silêncio e um pouco abatidos. Afinal, tiveram contato com ele bem mais que eu. De minha parte, estava calado também, mas por não saber o que dizer e como agir.
- Só preciso de um tempo pra tomar um banho e vestir uma roupa. Eu disse
- Voltaremos hoje mesmo. Meu irmão disse
- Ótimo. respondi
Entramos no carro e partimos. A viagem era longa e o dia já mostrava que seria quente e estranho. 
O clima dentro do carro estava estranho. Falei muito pouco durante toda a viagem. 660 Km de quase silêncio.  Tentava encontrar algum assunto mas não tinha nenhum. O que mais me passava pela cabeça, era como estaria aquela cidadezinha que não visitava ha muitos anos desde que minha avó se foi.

Chegamos por volta das 13:30 e fomos direto para o local do velório. Quando descemos do carro, as pessoas que estavam lá, nos olhavam com aquela cara de pesar. Alguns não nos conhecia, outros sabiam quem éramos. 
Na porta, uma tia nos recebeu aos prantos. Disse que estava com saudades mas não queria ter nos visto naquela ocasião. ( Ok Ok Ok, fiz que acreditei ) Preferia que fosse em algo alegre. 
Olhei pra dentro e ví o caixão rodeado de pessoas. A mulher, as enteadas e alguns amigos. Não reconheci ninguém. Com exceção da minha tia, não conhecia mais ninguém. As pessoas chegavam e nos cumprimentavam e eu me sentia o estranho no ninho. 
Meus irmãos estraram primeiro e eu fiquei do lado de fora observando.  Ao lado do caixão diziam coisas pra sí mesmos e pra ele. Falaram com as pessoas que estavam perto e depois saíram. 
Entrei e no caminho, percebi os olhares me acompanhando. Sabe-se lá o que pensavam e também não me importava. Cheguei ao lado do caixão e olhei aquela pessoa deitada, com as mãos cruzadas no peito. 
Era estranho, pois não sentia absolutamente nada. Aquela pessoa era um estranho pra mim, mesmo tendo o visto alguns anos antes, ainda era um estranho.
Fiquei uns dois ou três minutos ali parado, fiz o sinal da cruz, recebi cumprimentos de algumas pessoas e saí. Meus irmãos estavam falando com minha tia, atravessei a rua em direção a uma padaria. Comprei uma lata de coca cola e fiquei do lado de fora encostado na parede. Acendi um cigarro e fiquei observando as pessoas do outro lado da rua.
Voltei para onde estavam meus irmãos e tia e fiquei conversando um pouco com eles. Minha tia continuava com as promessas de sempre. Sempre manteríamos contato e blá blá blá. Coisas que nós e ela sabiam que não aconteceria. Mas enfim. Pouco tempo depois, fomos informados que iríamos para o cemitério. 

A rua de acesso ao cemitério era curta. Mas a subida nos deixava um pouco cansados. A caminhada durou uns 10 minutos, pois todos iam a passos lentos. As pessoas que levavam o caixão iam na frente, e nós seguíamos mais atrás. 
O sepultamento foi rápido. Já estava tudo preparado quando chegamos e apenas tivemos que esperar o funcionário do cemitério retirar os restos mortais da minha vó e guardar em uma das gavetas da família.
Ficamos mais um tempo com os familiares, nos despedimos e fomos almoçar para em seguida pegar estrada novamente. Fiquei com a estranha sensação de dever cumprido. Fiz o que tinha de ser feito e só pensava em voltar pra casa. 
A viagem de volta foi mais tranquila. Mesmo cansados, a gente se divertiu um pouco pelo caminho. Conversamos bastante até chegarmos.
No final das contas foi até bom ter ido. Assim, ninguém poderia dizer que nesse momento eu virei as costas pra ele. Continuo seguindo minha vida sem dever nada pra ninguém.
Vida que segue.







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